Wednesday, August 02, 2006

Divina Tragédia

Deus, ou isso que vagamente apelidamos de deus, vive momentos de sonolência e desprezo. Por este motivo, pouco insólito, resolvi chamar a atenção dele. Uma puxada em sua orelha teimosa e descompromissada. Assim como faz uma mãe chateada com o filho rabugento e incontrolável que não corresponde aos seus anseios. Não que essa repreensão possa acordá-lo do seu profundo sono divino, enfastiado e estorvado das petições humanas; das suas lamúrias e dos seus tormentos. Pedir só por pedir mesmo, já que a consciência insiste em dizer que pedir é o que se pode fazer quando tudo vai mal das pernas.
Eu quero pedir a isso que descuidadamente chamamos de deus um olhar mais atento sobre o planeta terra, sobretudo nas regiões conflituosas que se digladiam por um pedaço de terra ( a alma humana já foi mais cara). Um olho quente sobre aquele mendigo que eu vi ontem jogado tão solitariamente na calçada da avenida Nazaré, bem em frente ao santuário de sua nobre mãe. Eu gostaria de rogar pelas loiras oxigenadas tão vazias que desfilam com toda a pompa de rainhas pela Estação das Docas. Um olho piedoso de deus esparramado por esses casais que , nos fins de semana, comem pizza com coca-cola pelos restaurantes e que covardemente se negam a dar alguns trocados do seu rico dinheiro para os pobres meninos que pedem esmolas no sinal.
Deus, poe teu nobre olhar sobre todos os casais que foram felizes um dia e onde o remorso e o arrependimento pelos atos traiçoeiros insiste em viver. Derrama suas lágrimas milagrosas sobre todas as criancinhas mimadas criadas em edifícios, que brincam todos os dias nos playgraunds de cimento. Cuida, deus, para que um dia, se a dor da derrota bater, e que a vontade do suicídio nascer, que elas possam sentir que a vida apesar dos pesares vale a pena. Ilumina o pesaroso cotidiano dos funcionários públicos, ou daqueles que , como os barnabés, cruzam-se pelos corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um ser humano vai-se transformando aos poucos tão humano quanto uma mesa.
Passeia esse teu olhar cansado pela cidade emporcalhada, deus, e pousa devagar a tua nobre mão na cabeça daquele que destemperadamente corre até o orelhão e disca 190 ou 192. Vela com esmero pelo rapaz que sentado no banco de uma praça às três horas da manha, absolutamente só, repete incansavelmente no seu MP3 Player dez vezes a Canção Pobre e chora desconsoladamente. Olha com afeto para aqueles vendedores de bombons nos ônibus que confessam não Ter esperança alguma. Olha por aquele advogado que vende água mineral no sinal debaixo daquele sol escaldante – vela por todos aqueles infelizes que queriam ser outra coisa qualquer e não são porque precisam sobreviver. Olha pelos homossexuais e pelas prostitutas seminuas que vendem o seu corpo ao preço de um pão careca.
Derrama seu olhar majestoso sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar certo - CFA), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esses que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões. Sobre as desagradáveis circustâncias, ávidas de matar o sonho alheio- Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que se faça a justiça necessária. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminosos. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada.

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