Thursday, August 10, 2006

Desassossego

Ando pelo mundo estorvado.
Estorvado dos amores platônicos
dos desejos desejados e não realizados
das utopias somente idealizadas e nada mais
daqueles que sonham solitariamente
daqueles que traem as suas utopias defendidas por anos a fio
dos olhares cansados e deprimidos
das mesmas caras, atitudes, repreensões
dos passeios sem rumo
dos caminhos a esmo
dos abismos sem fim
dos horóscopos confusos
das inquietações que não me deixam
desse mundo globalizado e complexo
dessa maldita ilusão que me prometeram
esse deus que puseram na minha cabeça sem eu pedir
esses políticos desalmados
esses pastores e padres e todo o seu discurso inverossímil
da felicidade que nunca chega
e dessa felicidade ilusória e descartável de que todos falam
de ter que dormir nos degraus da tristeza
de ter que lamentar pros outros a minha miséria atarantada
de ter que chorar pra ser visto
da televisão sempre ligada
dos livros nunca lidos
da dor que sempre exagera
do escapismo sempre recorrente
do consumismo desenfreado
das palavras que não dizem nada
das letras que estão a toa por aí, sem motivo aparente
desses párias que vagam pelo mundo sem destino
do cansaço do meu abandono
SAULO MARQUES

Tuesday, August 08, 2006

Slide - Violins

Today all the clowns are singing along
Happy songs that we once liked
Sadness will never come here again
Cause I have built the highest walls around me
Only you can bring them down
With your fond words of bliss
See that boy on that slide?
It´s me
Don´t say you miss those dirty places
Where we used to cry all night long
Where we used to kill all the gods
With a bullet of desire
Tonight all the world is singing along
Sad songs that we once liked
Happiness will never come here again
Cause I have built the highest walls around me
Only you can save me now
With your fond words of bliss
See that boy on that slide?
It´s me
Don´t say you miss those dirty places
Where we used to cry all night long
Where we used to kill all the gods
With a bullet of desire
Now I slide on people´s face
Everytime they get upset or upside down
Yes, sure we´ve been there for a long long time
All this time we went searching but we could not find light
Can´t you feel our tired embraces?
All these tear stains on our faces
Cause our hearts are dusty places...

Friday, August 04, 2006

Dark da tristeza

Para um amigo.
Lástimas em exagero. Bebida em exagero. Fuga em exagero. Tudo exageradamente exagerado. E assim, em abundância, as dores e o pôr vir das derrotas vão se aglutinando; vão se aglomerando. A luminosidade solar existe; mas é fraca, sem vida, sem gosto. Como se não houvesse sol mesmo. E sim chuva. Uma chuva torrencial, lastimosa e tristonha. Sim, acompanhada da beleza tristonha. E a claridade do sol é tristemente substituída pôr um céu negro e tenebroso. O dark da tristeza e da incompreensão em que me meti sem pedir. E as gotas transformadas em lágrimas, cortam. Cortam profundamente. Cortam de matar E o resultado de todo esse tristonho desenho é uma cabeça baixa, olhos distantes, palavras vagas, vida cansada. Vida sem nexo, sem explicação. Perguntas sem respostas teimam a vagar sobre mim.Perguntas tolas como "o que eu faço?", "o que eu fiz?", "o que fizeram de mim?". Não raramente, eles me dizem respostas desconexas que não merecem atenção. Não quero crer que a dúvida e a incompreensão sejam de todo desprezíveis. Quero que elas sejam minhas. Que me perteçam e que me devorem de uma vez. Estou certo que depois do inferno dantesco, calmaria nascerá, acompanhada das moscas que cambaleiam solitáriamente sobre mim. E que venha o aprendizado após as lástimas. Mas por enquanto, nobre amigo, que hoje me atormentou com as minhas inquietações, eu prefiro mesmo é as lágrimas silenciosas. O silêncio é o que me consola. O meu ato de resignação. A minha estratégia de sobrevivência. Sim porque apesar do tiro certeiro, eu continuo na guerra. Continuo no front da vida, assim como você. Essa guerra sangrenta e impiedosa. Que não poupa nada nem ninguém. Que atira e acerta com precisão. Que quer me pegar e me fazer sofrer. E um olhar mais cuidadoso me permite dizer: acertou novamente. E foi um tiro lá. No coração. O lugar mais frágil da alma, você bem sabe. E moribundo eu vou caminhando. Até quem sabe um dia parar de sangrar. Eu vou esperar, assim como quem espera o messias, essa dor sumir. Esse sangue estancar. Essas lágrimas escorrerem e secarem por si próprias por meio da ação do tempo e das circunstâncias. Ah, as circustâncias. Elas sim nos governam. Elas sim são o motor da vida. Elas sim imprimem esse rosto cansado e tristonho. Elas, as circustâncias, são definitivas.
Saulo Marques

Thursday, August 03, 2006

CAIO FERNANDO ABREU


Para um roxo dia de sol de fevereiro
Para Jussara
Este vazio de amor todos os dias: a cabeça pesada ao meio-dia, a boca amarga, um cheiro de sono e solidão nos cabelos, uma xícara de café bem forte espantando os arcanos da madrugada, e muitos cigarros, as roupas, o espelho, os colares, as pulseiras. Procuro e não acho. Mas saio para a rua todo de roxo, a barriga de fora.
O sol bate forte na cabeça. O sol bate forte e reflete na calçada e dissolve o corpo em gotas pegajosas escorrendo nojentas e brilhantes pelos braços e pelas pernas por baixo do roxo até cair sobre o asfalto formando pequenas poças que logo se evaporam subindo pelos raios do sol cor de cenoura de fevereiro para novamente descer do alto despertando o suor roxo adormecido no meu corpo.
E na esquina riem. Eu não ligo, mas riem e falam baixinho entre si, homens dispostos na calçada com as camisas abertas entre as verduras da tenda da esquina, os homens de pelos aparecendo pelas aberturas da camisa cochicham entre si e riem. Mas eu piso firme e ergo a cabeça e dentro do meu roxo caminho só-rindo entre as verduras e os cochichos, e ninguém entende: mas silenciam e principiam a rir baixo, apenas para eles, e não têm coragem de dizer nada. Eu passo por seu silêncio irônico e perplexo, a minha bolsa oscila, é como se o sol coroasse minha cabeça e ninguém soubesse ao certo se rir ou calar, de espanto, porque nunca naquela rua passou alguém coroado por um sol roxo de fevereiro.
Depois são os corredores e as escadas e o balcão claro do bar e os grupos de pessoas que não distingo umas das outras, mas vou sorrindo, sou um projétil orientado até certo ponto, depois dele, e é agora o depois dele vou furando o desconhecido, violentando o mistério, vou penetrando no incompreensível, e sorrio para o inesperado, o corpo ereto projetado, e alguém me faz uma saudação oriental na porta de entrada e eu sorrio ainda mais largo: é alguém semelhante a um cão são bernardo, falta apenas o barrilzinho de chocolate, desses abençoados que riem o tempo todo e o tempo todo cantam e dizem coisas e soltam notas musicais por entre os pelos espessos da barba e do cabelo grande.
E entro na sala e sinto que os olhares se debruçam sobre mim e cumprimento alguns e outros e não penso nada: gozo a glória deste momento e sei que brilho mesmo sem saber para onde vou. E tombo sobre a mesa e tento arranjar no rosto um ar compungido, qualquer coisa modesta e bucólica, à beira do perdão, um olhar no horizonte nas janelas do arquivo, para que me amem, para que se condoam, para que não se ofendam com meu sol de hoje.
Mas hoje. Hoje não. É impossível perdoar no meio destas máquinas histéricas e destas pessoas que tão pouco sabem de si destas calças desbotadas do feltro verde do jornal mural das vozes que passam misturando marchas de carnaval john lennon e carlos gardel é impossível sofrer entre os telefones que gritam e o suor que escorre e as laudas numeradas e as pilhas de jornais e livros e a porta que vezenquando abre libertando vanderléias comerciais e meninos de roupas coloridas e ar desvairado.
E hoje não. Que não me doa hoje o existir dos outros, que não me doa hoje pensar nessa coisa puída de todos os dias, que não me comovam os olhos alheios e a infinita pobreza dos gestos com que cada um tenta salvar o outro deste barco furado. Que eu mergulhe no roxo deste vazio de amor de hoje e sempre e suporte o sol das cinco horas posteriores, e posteriores, e posteriores ainda.

Wednesday, August 02, 2006

Divina Tragédia

Deus, ou isso que vagamente apelidamos de deus, vive momentos de sonolência e desprezo. Por este motivo, pouco insólito, resolvi chamar a atenção dele. Uma puxada em sua orelha teimosa e descompromissada. Assim como faz uma mãe chateada com o filho rabugento e incontrolável que não corresponde aos seus anseios. Não que essa repreensão possa acordá-lo do seu profundo sono divino, enfastiado e estorvado das petições humanas; das suas lamúrias e dos seus tormentos. Pedir só por pedir mesmo, já que a consciência insiste em dizer que pedir é o que se pode fazer quando tudo vai mal das pernas.
Eu quero pedir a isso que descuidadamente chamamos de deus um olhar mais atento sobre o planeta terra, sobretudo nas regiões conflituosas que se digladiam por um pedaço de terra ( a alma humana já foi mais cara). Um olho quente sobre aquele mendigo que eu vi ontem jogado tão solitariamente na calçada da avenida Nazaré, bem em frente ao santuário de sua nobre mãe. Eu gostaria de rogar pelas loiras oxigenadas tão vazias que desfilam com toda a pompa de rainhas pela Estação das Docas. Um olho piedoso de deus esparramado por esses casais que , nos fins de semana, comem pizza com coca-cola pelos restaurantes e que covardemente se negam a dar alguns trocados do seu rico dinheiro para os pobres meninos que pedem esmolas no sinal.
Deus, poe teu nobre olhar sobre todos os casais que foram felizes um dia e onde o remorso e o arrependimento pelos atos traiçoeiros insiste em viver. Derrama suas lágrimas milagrosas sobre todas as criancinhas mimadas criadas em edifícios, que brincam todos os dias nos playgraunds de cimento. Cuida, deus, para que um dia, se a dor da derrota bater, e que a vontade do suicídio nascer, que elas possam sentir que a vida apesar dos pesares vale a pena. Ilumina o pesaroso cotidiano dos funcionários públicos, ou daqueles que , como os barnabés, cruzam-se pelos corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um ser humano vai-se transformando aos poucos tão humano quanto uma mesa.
Passeia esse teu olhar cansado pela cidade emporcalhada, deus, e pousa devagar a tua nobre mão na cabeça daquele que destemperadamente corre até o orelhão e disca 190 ou 192. Vela com esmero pelo rapaz que sentado no banco de uma praça às três horas da manha, absolutamente só, repete incansavelmente no seu MP3 Player dez vezes a Canção Pobre e chora desconsoladamente. Olha com afeto para aqueles vendedores de bombons nos ônibus que confessam não Ter esperança alguma. Olha por aquele advogado que vende água mineral no sinal debaixo daquele sol escaldante – vela por todos aqueles infelizes que queriam ser outra coisa qualquer e não são porque precisam sobreviver. Olha pelos homossexuais e pelas prostitutas seminuas que vendem o seu corpo ao preço de um pão careca.
Derrama seu olhar majestoso sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar certo - CFA), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esses que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões. Sobre as desagradáveis circustâncias, ávidas de matar o sonho alheio- Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que se faça a justiça necessária. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminosos. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada.