Tempo de lírios
Me verto em pedras, traços, troças, trecos. Troco-me por uma lata de vick envelhecida pela metade; um ventilador arno sujo e carcomido, já sem botões. Por uma banda de um bando de sapatos velhos, com uma meia suja-fedorenta-nojenta em forma de laço. Um traço, uma taça, uma traça se amontoa na minha roupa amontoada suja-velha-na-moda; sobre minha única cueca igualmente velha-rasgada-de-marca; sobre a minha única mochila vermelha com marcas do tempo. Livros novos-velhos-sujos-amarelados-rasgados por sobre todos os lugares. "Achiiiiiiiiiiiiiii!!!! Não despacha essa porra", ouço ao fundo, vindo de algum lugar, provavelmente de Marte. Pra lá... prá cá.... as fitas coloridas do chapéu por sobre a estante; coloquei ele lá em cima de modo que lhe conferisse uma aparência mais simpática. Não deu. Não dá. Nada fica como eu quero! TV velha, sem botões, sem controle remoto, sem antena, sem fio, sem volume, sem cor, contraste, brilho.... Na cama, uma colcha cor-de-rosa empresta ao caixão uma aparência mais alegre, vivida. 4 blocos de livros desajeitados (dejavu filho-da-puta),desarrumados, embaralhados, desamparados, dessassossegados, solitários. Dostoievski, Freud, Wilde e Nietzche. Ou será Freud, Wilde, Nietzche e Dostoievski.... No canto, uma antena que nada capta; perdida, desamparada, sem rumo. Dois aparelhos de som podem ocupar o mesmo espaço físico e gravitacional (?) seus fios se entrelaçam como se fossem unos. A qualquer momento sinto como se um barulho ecoasse de lá. Não sei exatamente o quê. Outro amontoado de roupas velhas por sobre a cadeira. Uma toalha igualmente velha e já gasta, sem cor, cobre a fealdade do monturo. O cão sarnento vem me fazer uma visita: pula em cima de mim, me morde, me lambe; não sabe o que sente exatamente por mim. Emaranhado caro de cosméticos que prometem me curar da acne formam parece-me que uma cidade com prédios altos e complexos. desodorantes vazios, frascos de perfumes baratos, pentes sem dentes, escovas de dentes gastas fazem poses de belos sobre a pentiadeira sem espelho, quebrado, lembro-me, numa brincadeira de criança. O Kafka também está por lá, certamente fazendo alguma pose exceto de belo. A fotografia de Freud pregado com chiclete big-big sobre a parede; ele me olha com um olhar inquisidor; querendo saber se fiz sexo nas últimas semanas; ou se tenho sonhado com monstros ou perseguições. Não tenho feito sexo e não me lembro dos meus sonhos. Pessoa também está pregado na minha parede, bem embaixo de um ar-condicionado que pifou na semana passada. Tá fazendo frio mesmo.. Um homem solitário (não, não é um auto-retrato (sic)), o tempo passando no morrer e no nascer de uma papoula; os minutos se sucedendo nas formas estranhas das nuvens do céu. Uma foto do Che me faz lembrar o quão eram majestosos os meus dias felizes de sonhador... tempos bons que já passaram... Olho pro travesseiro e vejo sangue escorrendo... tá sangrando-matando-doendo-de-novo. Uma mesa de bar, um espelho velho.... as vezes penso que esse telhado cairá bem em cima de mim...
Não vou mais ficar aqui se não eu surto de vez...
Não vou mais ficar aqui se não eu surto de vez...